Cenários em transição: as mulheres, a ecologia e a ética do cuidado
Inspirações filosóficas de Fabienne Brugère e indicadores alarmantes de Amandine Richaud-Crambes: para onde vamos e como vamos mudar essa realidade?
Além de fazer os melhores perfumes do mundo, tem mais uma coisa que francesas e franceses sabem fazer muito bem: elucidar o pensamento crítico de uma forma charmosa. Eu, pelo menos, me encanto com a facilidade delas(es) para transformar temas espinhentos em debates instigantes.
Propor uma política de cuidado, como faz a filósofa Fabienne Brugère, por exemplo, é de uma elegância que faz a intelectualidade parecer mais sexy. Na reflexão dela, cabe pensar em que instâncias são definidas nossas primeiras necessidades enquanto cidadãos. Cabe ainda considerar a questão do acolhimento uma questão política e não apenas ética.
Essa teoria sobre o cuidado, que ela difunde em seu recente livro lançado no Brasil, se mistura com a ética do meio ambiente ou da hospitalidade, conceitos que classifica dentro de uma política da doçura. Esta sua forma tão própria de ver o mundo é capaz de amenizar o rancor neoliberal que destaca vulnerabilidades sem reciprocidades. Um gosto amargo que provém de delimitar o lugar do cuidado a um trabalho feminino, sem recompensas nem reconhecimentos.
Em sua dedicatória no livro “A Ética do Cuidado”, Fabienne diz que o cuidado é importante, em Porto Alegre ou Paris. Refletir sobre os seus ensinamentos me fez lembrar a conferência sobre Desigualdades de Gênero no Contexto de Transição Ecológica, que assisti no dia 8 de março no Institut Agro Montpellier. Na ocasião, a engenheira ambiental Amandine Richaud-Crambes falou sobre alguns números que impressionam - Beauvoir cairia para trás!
Ela disse que apenas 30% dos projetos de pesquisa financiados pela agência Nacional da França são para mulheres; 60% das mulheres representam os adultos pobres na França (no mundo são 70%) e quando falamos de refugiados climáticos, elas são 80%.
E ainda que empresas e governos tenham metas para incluir lideranças femininas no jogo decisório, não estamos ocupando as posições necessárias para mudar essa realidade. Na última Conferência das Nações Unidas (a COP 28), nos Emirados Árabes, éramos 35%. Quando se fala em empregos verdes, não passamos de 18%.
A presença masculina é maior na política, no esporte, na liderança de empresas, na mídia. Então, como superar a síndrome da impostora e obter respeito, condições mais parelhas e apropriar-se de nossas capacidades e direitos, buscando mais equidade?
Para Amandine, é preciso sair da sombra e ocupar espaços, criar estruturas para que mais mulheres possam transitar de forma segura, se desenvolver, sair da pobreza e da precariedade. “Nem todas possuem a mesma capacidade de apropriação de suas competências”, segundo-ela.
Compartilhar experiências, ofertar um convívio não-julgador, empático e colaborativo já pode ser um ótimo começo. Mas precisamos ir além. Você arrisca me dizer como?